Hoje fiquei muito emocionado. Muito emocionado por estar longe de casa, razoavelmente desconhecido pelo meio onde estou, hoje que tive que reaprender a preencher um cheque, tal qual com 8 ou 9 anos quando pedia a meu pai e ele me deixava imprimir minha letrinha ingênua naquela folha tão séria. Esses fatos têm permeado meu cotidiano nos últimos dias. Mas minha emoção hoje só veio à tona a partir das oito da noite quando fui estrear meu futebol nessa terra. E minha condição de estrangeiro foi fundamental para aguçar minha percepção. Também foi fundamental que a maioria fosse jovens de países espalhados pelo mundo para que cada um pudesse se despir dos penduricalhos que nos tornam diferentes.
Ficamos sabendo de manhã, Nier e eu, que toda quarta tem pelada no ginásio. O Nier veio me dizer que o John (nosso colega inglês) tinha chamado a gente pro futiba. Achei curioso quando o Nier "Ele me falou que fica cheio de árabe" e por isso eu "Você acha que ele falou isso com tom de discriminação?", "Não sei, talvez sim, talvez exista algum conflito".
Mas não encontramos nenhum conflito. Encontramos uma difora de dar inveja, que levamos um tempo até compreender e aceitar que funciona, sem nenhuma organização de "a primeira difora é minha, a segunda é sua, eu já esperei duas partidas tá na hora de eu entrar", mas em que ninguem se sentiu lesado por um outro colega passando sua frente. Encontramos uma partida em que muitas línguas diziam "toca, volta, chuta, aqui aqui, vira o jogo" e eram entendidas por todos. Lembrou-me aquele email que recebemos e em que cada palavra tem as letras desordenadas mas que conseguimos ler como se estivessem ordenadas da maneira correta. Embora a sequência de fonemas ditos fosse estranha, conseguíamos entender "Deixa de ser fominha e toca a bola!", porque o sentido da frase é mais fundamental do que a codificação em que ela é expressa.
Encontramos uma partida indoor em que a bola não sai, as balisas são um vão na parede igualzinho a mesa de totó e uma bola que quicava feito uma perereca. Jogamos de oito as dez, a bola só parava quando ia entrar a difora, e não teve nenhuma falta. Além disso, as condições estranhas de jogo faziam com que os bons se tornassem médios, os ruins também e eu me emocionasse.
Uma pelada é uma meditação em que encontramos nossa essência, nossa camada existencial mais profunda. E nossa essência não diz fonemas nem distingue etnias, carrega apenas nosso desejo de fazer gol, nossa preguiça de voltar para a defesa para evitar o contra-ataque adversário. O retrato de nossa essência é o Mohamed gritando em alguma língua "ae, fulaninho, quem diria?!" para o gordinho que não parecia jogar nenhuma bola mas mostrou muita habilidade e tranquilidade ao lançar como fez o Zico para o Nunes em 81. Igualzinho gritávamos na faculdade quando o Bertussi fazia um gol nas peladas da sede campestre. Na essência somos todos garotos, e as mulheres também são meninas. Na essência, queremos gol e nada mais.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
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7 comentários:
Aposto que você chegou em casa e ficou treinando pedaladas em câmera lenta!!!
Aposto que você chegou e ficou sofrendo com dor na coluna. Faz um twitter para te acompanhar mais fácil. Põe o meu @jphbraga.
Não entendi a surpresa quando eu faço gol! O.o
Eu sempre faço gol! :-p
Vocês já deviam ter se acostumado.
Xuuuulio, vc escreve tão bem. Adoro ler os posts. Nada de trocá-los pro mensagens curtas de twitter, se for fazer o twitter não pode desanimar para o blog, hein???? Ao final de dois anos teremos um diário e tanto.
Continue marcando gols de placa. beijos, Le
Coe, Bertussi?! O Pedro que faz gol sou eu!!!
Xúlio, eu sou melhor que o Bertussi?
Zumbi
Julio, querido
Realmente e uma grata surpresa toda esta verve que você tem. Continue assim para que possamos compartilhar com você o seu dia a dia, não necessariamente todos os dias,porque você também não é de ferro.
As novidades dai são muitas e as daqui nem tanto. Aproveitei o seu carro e foi muito bom.
Noninho e vovó já até andaram nele também.
Você disse que vai perder o Carnaval mas o que você vai ganhar de conhecimento e experiência, dá de 10 e além do mais muitos
carnavais virão.
Tentamos falar com você hoje pelo Skype mas você não atendeu, era mais ou menos, na hora local daqui, 18He30min.
Continue nos informando,sem muito compromisso, que estamos adoooorando saber das novidades, é meio que praticar um voyer.
Beijos,beijos,beijos e ....mais beijos.
da tia-madrinha
Leila
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