Reza a lenda que a Anabela de Malhados (assistam http://www.youtube.com/watch?v=hIrRNFa8OiA vale muito a pena!!) viu uma casca de banana na sua frente e falou "lá vou-me fudeire uma vez mais, ó pá".
Nada como um dia após o outro e a experiência de vida para a gente se solidarizar com as limitações das outras pessoas. Aqui os dias de neve em geral são seguidos por dias muito, mas muito ensolarados mesmo. São dias cinematográficos, parece que Deus tratou o mundo com fotochope, porque a luminosidade aumenta com a brancura que se espalha por todos os lados. Esse sol todo faz a neve derreter forte e quando eu saio de casa de manhã escuto os estalidos como quando rachamos os cubinhos de gelo da tigela do congelador. Para os que conhecem o Atacama, parecem os estalidos que aquelas rochas fazem à tarde, por causa da dilatação térmica. O outro lado da moeda é que a neve fofa vira uma camada lisa de gelo cobrindo boa parte do chão. Em algumas partes a calçada fica completamente tomada por esse gelo e não há por onde passar a não ser por ele. Nessa hora peço perdão à Anabela por ter rido tanto dela e exercito minha capacidade de cair o mínimo possível. Uma coisa que aprendi com um colega aqui da geofísica é que a melhor maneira de passar por essas capas de gelo é sair correndo, pular em cima delas e ir patinando até o outro lado. Por mais perigoso que pareça, é como andar de bicicleta, em movimento você se equilibra melhor do que parado. Além do mais, assim você cai no máximo uma vez, o que já é um bom número, e se diverte bastante!
Outra curiosidade aqui da América é a expressão que eles usam pra cavalo-de-pau, a manobra de carro. Eles falam "slip on the shit". Slip significa escorregar! O resto é com vocês.
Outro dia estava saindo da loja do posto de gasolina e vi que ainda não superei totalmente uma armadilha que a língua nos prega. Na porta estava PUSH e eu puxava mas a porta não vinha, até que vi em letras miúdas EMPUJE e lembrei daqueles dias na Cultura Inglesa em que minha mente não conseguia associar esse som tão familiar ao sentido oposto do que eu estava acostumado! Eu tô melhorando, mas ainda tenho que comer muito feijão com arroz. O problema é que tá difícil de arrumar tempo pra cozinhar feijão.
Espero que vocês estejam tendo um bom carnaval! Vi que coisas muito boas estão acontecendo no Brasil. Os blocos estão mais organizados e com poucas brigas (apesar de uma ou outra facada), o samba da Mangueira tá muito bonito, o Sol tá abençoando a semana, os botafoguenses estão novamente se c*g*nd* de medo e a camisa listrada do Arruda não é fantasia de carnaval!
Um grande abraço e muita saudade!
Julin!
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Babel
Hoje fiquei muito emocionado. Muito emocionado por estar longe de casa, razoavelmente desconhecido pelo meio onde estou, hoje que tive que reaprender a preencher um cheque, tal qual com 8 ou 9 anos quando pedia a meu pai e ele me deixava imprimir minha letrinha ingênua naquela folha tão séria. Esses fatos têm permeado meu cotidiano nos últimos dias. Mas minha emoção hoje só veio à tona a partir das oito da noite quando fui estrear meu futebol nessa terra. E minha condição de estrangeiro foi fundamental para aguçar minha percepção. Também foi fundamental que a maioria fosse jovens de países espalhados pelo mundo para que cada um pudesse se despir dos penduricalhos que nos tornam diferentes.
Ficamos sabendo de manhã, Nier e eu, que toda quarta tem pelada no ginásio. O Nier veio me dizer que o John (nosso colega inglês) tinha chamado a gente pro futiba. Achei curioso quando o Nier "Ele me falou que fica cheio de árabe" e por isso eu "Você acha que ele falou isso com tom de discriminação?", "Não sei, talvez sim, talvez exista algum conflito".
Mas não encontramos nenhum conflito. Encontramos uma difora de dar inveja, que levamos um tempo até compreender e aceitar que funciona, sem nenhuma organização de "a primeira difora é minha, a segunda é sua, eu já esperei duas partidas tá na hora de eu entrar", mas em que ninguem se sentiu lesado por um outro colega passando sua frente. Encontramos uma partida em que muitas línguas diziam "toca, volta, chuta, aqui aqui, vira o jogo" e eram entendidas por todos. Lembrou-me aquele email que recebemos e em que cada palavra tem as letras desordenadas mas que conseguimos ler como se estivessem ordenadas da maneira correta. Embora a sequência de fonemas ditos fosse estranha, conseguíamos entender "Deixa de ser fominha e toca a bola!", porque o sentido da frase é mais fundamental do que a codificação em que ela é expressa.
Encontramos uma partida indoor em que a bola não sai, as balisas são um vão na parede igualzinho a mesa de totó e uma bola que quicava feito uma perereca. Jogamos de oito as dez, a bola só parava quando ia entrar a difora, e não teve nenhuma falta. Além disso, as condições estranhas de jogo faziam com que os bons se tornassem médios, os ruins também e eu me emocionasse.
Uma pelada é uma meditação em que encontramos nossa essência, nossa camada existencial mais profunda. E nossa essência não diz fonemas nem distingue etnias, carrega apenas nosso desejo de fazer gol, nossa preguiça de voltar para a defesa para evitar o contra-ataque adversário. O retrato de nossa essência é o Mohamed gritando em alguma língua "ae, fulaninho, quem diria?!" para o gordinho que não parecia jogar nenhuma bola mas mostrou muita habilidade e tranquilidade ao lançar como fez o Zico para o Nunes em 81. Igualzinho gritávamos na faculdade quando o Bertussi fazia um gol nas peladas da sede campestre. Na essência somos todos garotos, e as mulheres também são meninas. Na essência, queremos gol e nada mais.
Ficamos sabendo de manhã, Nier e eu, que toda quarta tem pelada no ginásio. O Nier veio me dizer que o John (nosso colega inglês) tinha chamado a gente pro futiba. Achei curioso quando o Nier "Ele me falou que fica cheio de árabe" e por isso eu "Você acha que ele falou isso com tom de discriminação?", "Não sei, talvez sim, talvez exista algum conflito".
Mas não encontramos nenhum conflito. Encontramos uma difora de dar inveja, que levamos um tempo até compreender e aceitar que funciona, sem nenhuma organização de "a primeira difora é minha, a segunda é sua, eu já esperei duas partidas tá na hora de eu entrar", mas em que ninguem se sentiu lesado por um outro colega passando sua frente. Encontramos uma partida em que muitas línguas diziam "toca, volta, chuta, aqui aqui, vira o jogo" e eram entendidas por todos. Lembrou-me aquele email que recebemos e em que cada palavra tem as letras desordenadas mas que conseguimos ler como se estivessem ordenadas da maneira correta. Embora a sequência de fonemas ditos fosse estranha, conseguíamos entender "Deixa de ser fominha e toca a bola!", porque o sentido da frase é mais fundamental do que a codificação em que ela é expressa.
Encontramos uma partida indoor em que a bola não sai, as balisas são um vão na parede igualzinho a mesa de totó e uma bola que quicava feito uma perereca. Jogamos de oito as dez, a bola só parava quando ia entrar a difora, e não teve nenhuma falta. Além disso, as condições estranhas de jogo faziam com que os bons se tornassem médios, os ruins também e eu me emocionasse.
Uma pelada é uma meditação em que encontramos nossa essência, nossa camada existencial mais profunda. E nossa essência não diz fonemas nem distingue etnias, carrega apenas nosso desejo de fazer gol, nossa preguiça de voltar para a defesa para evitar o contra-ataque adversário. O retrato de nossa essência é o Mohamed gritando em alguma língua "ae, fulaninho, quem diria?!" para o gordinho que não parecia jogar nenhuma bola mas mostrou muita habilidade e tranquilidade ao lançar como fez o Zico para o Nunes em 81. Igualzinho gritávamos na faculdade quando o Bertussi fazia um gol nas peladas da sede campestre. Na essência somos todos garotos, e as mulheres também são meninas. Na essência, queremos gol e nada mais.
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